Quase ninguém se lembra do que significa a fotografia. Não digo tanto o sentido filosófico, mas o mais simples, da origem. “Escrever” ou “grafar” ou “gravar com a luz”. Basta ver uma foto de Francisco Baccaro para que isso venha à tona, e com um acréscimo importante: fotografar é escrever com fogo. E por ventura também com suor e sangue, como nos ensinam as fotografias bem desenhadas de Joãomiguel. As novas ‘giocondas’ em P&B que são os seus trabalhadores. Mal dissimulando no sorriso a dor cotidiana.
Toda boa foto nos ensina a olhar, nos convida a ver. Não, não é preciso pensar. Quem vê fotos do fogo & as pessoas & as paisagens, e de pessoas & objetos & engrenagens deve apenas ter os olhos bem abertos, os sentidos em alerta máximo.
O que fazem as imagens da luz e das cores de Francisco Baccaro não é apenas nos mostrar o perfil de um homem e as chamas que o tomam como uma aura de corpo completo. Sentimos a faísca, o arrebatamento. Não vemos a foto, estamos na foto. Ela queima nos olhos, é um relato tátil. Como as luzes & brancos, & pretos, & sombras de Joãomiguel são narrativas com a eloquência que somente podem com toda agudeza de faca apenas algumas espécies de silêncio e somente certas espécimes de bichos. Da palha e da cana.
Vamos escapar à tentação de comparar esse homem que ergue o braço a um novo Prometeu, e todos os rubros e vermelhos e encarnados das fotos de Francisco Baccaro ao fogo que ele roubou dos deuses e deu aos homens. Que nos baste a uniformidade plástica da foto-gesto, que nos convida, incita, provoca o olhar.
Nem vamos dizer que os homens se movimentam entre laranjas, amarelos, vermelhos e verdes para acentuar o brilho. Como dança-timbre. O fogo é tão doce como não pode ser a cana de açúcar, feixe e flecha nas mãos. Mais do que homens e canas, o que as fotos nos dão é o vigor, o instinto-instante, o verde, o azul, a energia de um futurismo de presente continuo.
As fotos de Francisco Baccaro são a eloquência do que oculta tanto do que revela, de propósito, como um anti-striptease. A camuflagem não se dá apenas pelo que cobre, também pelo ritmo, o tempo vulnerando o espaço, o rosto que desfaz os olhos para sentir melhor, a boca, o ouvido, o nariz, e o mais são roxos, azuis da camisa como o céu, o verde menos que o canavial, o braço que se faz um só com o instrumento e o seu corte e recorte.
Que os amantes da pintura não perdoem a fotografia do campo devastado que seja tão eloquente quanto uma pintura. Se as gentes e cenas de suas imagens fossem mais do que fotografia seriam quadros numa exposição. Composição é sua palavra-chave.
Há certas imagens cuja sintaxe nos re-ensina que o espontâneo não existe na arte, ou que o espontâneo é um gesto de captura, e há uma estilística franciscobaccaro de reencenar o movimento, da cana como que posando para o gesto, a cor compondo, construindo a roupa o braço é o que agarra e as garras são tudo o que há. Pura geometria e cor, como uma construção de esquadros calcinados. Há uma poética no espaço desses tições, no jogo esvoaçante de rubro e preto. Um baile. Um mata-borrão. O fogo inteiro-intenso como uma bomba, como um arrebatamento febril, um imenso vestido ou bandeira, a labareda absoluta do canavial. Outra pintura esse caminho quase abstrato como se formasse uma letra, um grafismo, um grito, trilho a trilha.